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Microbioma: o mundo dentro do seu gato

Microbioma: o mundo dentro do seu gato

Estudo revela os principais biomarcadores da microbiota felina

Vanessa Olszewski ¹, Rafaela Hilgemberg², Mariana Nascimento³ 

¹Médica Veterinária e Coordenadora Técnica pet na Aleris Nutrition 

²Zootecnista e Assistente Técnica na Sapiens Artificial Intelligence in Microbiome 

³Zootecnista e Gerente Técnica na Aleris Nutrition 

A nutrição de animais de companhia está em constante desenvolvimento e evolução, a fim de trazer a cães e gatos através da alimentação, melhor qualidade de vida e longevidade.  

Há tempos já não se pensa mais em nutrição apenas como oferecer um alimento para a sobrevivência dos animais, mas sim em entender como cada nutriente influencia no funcionamento e desenvolvimento do organismo.  

Seguindo essa ideia, surge a busca por ingredientes funcionais, que como o nome já diz, irão desempenhar um papel no organismo além de nutrir. Dentre eles, podemos citar como exemplo as leveduras que, conforme o meio de cultura e o processamento aplicado, podem oferecer diversos benefícios. Entre estes benefícios, podemos citar o enriquecimento da composição nutricional da ração, auxílio ao aumento da imunidade, aglutinação de patógenos, melhora da palatabilidade e, mais recentemente, tem se compreendido como esta é capaz de modular o microbioma. 

A palavra “microbioma” é comumente definida como “o conjunto de material genético de todos os microrganismos que vivem em um habitat definido”. De modo geral, o termo “microbioma” se abrange tanto às células bacterianas em si quanto ao seu material genético.  

Devido aos efeitos diversos e muitas vezes profundos do microbioma sobre a saúde de humanos e animais, este passou a ser reconhecido como um órgão (POSSEMIERS et al., 2011) com capacidades metabólicas exclusivas, sendo capaz de otimizar a digestão de nutrientes e atuar na produção de pós-bióticos, definidos, de acordo com a Associação Internacional de probióticos e prebióticos (ISAPP) como uma preparação de microrganismos inanimados e/ou de seus componentes que promovem benefícios à saúde do hospedeiro (SALMINEN et al., 2021).  

Entre os componentes que podem constituir os pós-bióticos, além da biomassa bacteriana, podem ser inclusos ácidos orgânicos, muropeptídeos derivados de peptideoglicanos, estruturas semelhantes ao pilus bacteriano (TAKÁČOVÁ et al., 2022), ácidos graxos de cadeia curta, triptofano, bacteriocinas, entre outras componentes e metabólitos não purificados (OLESKIN & SHENDEROV, 2019). 

Portanto, os tutores têm um papel-chave na construção de um microbioma benéfico para seus gatos por meio da escolha dos alimentos que serão consumidos e a forma como vão cuidar do microbioma do pet. No entanto, falta uma compreensão clara do impacto que estas escolhas alimentares têm no microbioma e, portanto, na saúde geral do animal.

Os alimentos para animais pet, de forma geral, são formulados para conter os componentes nutricionais típicos como carboidratos, proteínas e gorduras, mas devem incluir ingredientes direcionados ao microbioma, como prebióticos, probióticos, simbióticos e os pós-bióticos. Cada uma destas categorias, bem como as suas proporções relativas nos alimentos, pode influenciar a composição e, consequentemente, as funções desempenhadas pelo microbioma.  

MICROBIOTA INTESTINAL FELINA 

Para nos ajudar a começar a construir este pensamento, você sabia que muitas evidências científicas já foram publicadas indicando que os componentes da dieta têm o poder de impactar não apenas as doenças gastrintestinais, mas também as alergias, a saúde bucal, o controle do peso, o diabetes e as doenças renais do seu pet, “somente” modulando o microbioma gastrintestinal dele? Interessante, não?  

No início, muitos dos esforços de entendimento do microbioma se concentravam em caracterizar alterações na composição do microbioma em estados de doença. No entanto, hoje já avançamos muito e estamos concentrando cada vez mais esforços na compreensão de como a composição e combinação de ingredientes em um alimento podem influenciar a saúde dos animais de companhia, por meio da modulação do microbioma.  

Existe um enorme valor em caracterizar o perfil de animais em estado saudável e em estado de doenças. Entender quem são os principais grupos que estão compondo aquele ecossistema e como eles estão interferindo na fisiologia do gato é um passo importantíssimo para desenvolvermos soluções cada vez mais assertivas que poderiam levar um perfil do microbioma de um animal doente a ser modulado de forma a se aproximar de um perfil de um animal saudável, por exemplo.  

Praticamente um episódio de uma reportagem jornalística: Microbioma: Quem são? Do que e como se alimentam? Como se comportam? Desta forma, assim como em outras espécies de animais, a microbiota de gatos domésticos saudáveis também está sendo mapeada pela Sapiens e notamos que ela é composta majoritariamente pelos filos: Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobacteria, Actinobacteria e Acidobacteria. Os três primeiros representam, aproximadamente, 60% do microbioma. Estes dados concordam com outros pesquisadores. As pesquisas caracterizam o microbioma destes animais e descrevem os filos Bacteroidetes, Firmicutes, Actinobacteria e Proteobacteria como majoritários na microbiota de gatos saudáveis (BARRY et al., 2012; MINAMOTO et al., 2012).  

Compreender quem são esses grupos e suas abundâncias no microbioma nos ajudam a entender como a diversidade e a riqueza podem impactar no bem-estar e na saúde dos felinos. É uma relação simbiótica entre o animal e seu microbioma, sendo este capaz de facilitar a digestão dos nutrientes e a partir da fermentação, produzir metabólitos como ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), ácidos biliares secundários, vitaminas (SCHMITZ & SUCHODOLSKI, 2016), nutrientes e outros compostos derivados de bactérias (MONDO et al., 2019). A microbiota ainda influencia as células imunológicas e as funções inflamatórias (TIZARD & JONES, 2017).  

Uma forma visual de começarmos esta compreensão, é por meio das nuvens de palavras. Na figura 1, visualizamos a nuvem de palavras da microbiota intestinal de gatos saudáveis. Nela, podemos observar os gêneros presentes na microbiota, onde quanto maior o tamanho da palavra, mais abundante é aquele determinado gênero na microbiota.  

Direcionando o nosso olhar para a composição de gêneros, de acordo com a base de dados da Sapiens, observamos que gatos considerados saudáveis apresentam uma abundância maior de Prevotella, Novosphingobium e Faecalibacterium. Dentre estes gêneros citados, a Prevotella é o gênero mais abundante e este está intimamente ligado a maior robustez da microbiota frente a entrada de possíveis patógenos (AMAT et al., 2020). 

Figura 1. Microbiota intestinal de gatos saudáveis. Fonte: Banco de dados Sapiens,2022.  

Embora o entendimento do conceito de saúde baseada em microbioma (STALEY et al., 2018) e diagnósticos de microbioma ainda não sejam muito difundidos, o conhecimento de quem são os biomarcadores de saudabilidade e doenças específicas pode aumentar a eficácia e a eficiência do diagnóstico, a avaliação da progressão e o prognóstico (DAVIES, 2018) e se tornar uma ferramenta valiosa para a escolha da terapia nutricional mais adequada.  

Contudo, os primeiros passos já estão sendo dados, como por exemplo a (1) caracterização do microbioma, (2) entendimento das funções e interações microbioma-hospedeiro e (3) identificação de biomarcadores. No gráfico abaixo é possível observar alguns biomarcadores já identificados no banco de dados da Sapiens. E a identificação e o entendimento deles nos trazem diversos insights interessantes

Os gatos, por serem animais carnívoros, apresentam um perfil de microbioma um pouco diferente daqueles que identificamos nos animais onívoros ou herbívoros.  

É muito interessante observar que no perfil de gatos encontramos uma porcentagem maior de biomarcadores que possuem a versatilidade em fermentar tanto carboidratos como proteínas – como o gênero Woeseia, por exemplo – sendo altamente especializados em reciclar nitrogênio, carbono e compostos sulfurados, que são produtos da digestão e fermentação de proteínas.  

O microbioma de gatos também parece estar mais preparado para lidar com altas concentrações de lipídios na dieta. Eles apresentam clusters de biomarcadores que participam ativamente de rotas metabólicas lipídicas, atuando na otimização destas vias e melhorando os sistemas de aproveitamento energético do gato.

Como vocês puderam entender, conhecer biomarcadores nos dão embasamento concreto e muitos insights para desenvolver alimentos cada vez mais direcionados para o microbioma, visando a modulação de grupos que podem impactar diretamente a saúde e o bem-estar destes animais, porém mais pesquisas são necessárias para aprofundar e desmistificar a influência das leveduras e pós-bióticos na modulação da microbiota felina e na saúde animal como um todo.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALESSANDRI, G. et al. Deciphering the Bifidobacterial Populations within the Canine and Feline Gut Microbiota. [s.l:s.n.]. Disponível em: https://journals.asm.org/journal/aem.  

AMAT, S. et al. Prevotella in pigs: The positive and negative associations with production and health. Microorganisms. MDPI AG, 1 out. 2020. 

AQUINO, A.A. Extrato seco de parede celular de levedura em dietas para gatos adultos, 2009. 171.f. Tese (doutorado em zootecnia) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2009. 

BARRY, K.A., MIDDELBOS, I.S., VESTER, BOLER, B.M., DOWD, S.E., SUCHODOLSKI, J.S., HENRISSAT, B., COUTINHO, P.M., WHITE, B.A., FAHEY, G.C. JR, SWANSON, K.S. Effects of dietary fiber on the feline gastrointestinal metagenome. J Proteome Res. 2012 Dec 7;11(12):5924-33. doi: 10.1021/pr3006809. Epub 2012 Nov 5. PMID: 23075436. 

BELL, E.T.; SUCHODOLSKI, J.S.; ISAIAH, A.; FLEEMAN, L.M.; COOK, A.K.; STEINER, J.M.; MANSFILD, C.S. Faecal microbiota of cats with insulin-treated diabetes mellitus. PLOS One, v.9, n.10, p.1-12,2014.  

DAVIES, R. (2018). The metabolomic quest for a biomarker in chronic kidney disease. Clin. Kidney J. 11, 694–703. doi: 10.1093/ckj/sfy037 

LEDERBERG, J., AND MCCRAY, A. T. (2001). ‘Ome Sweet’ Omics—a genealogical treasury of words. Scientist 15:8. doi: 10.1089/clinomi.03.09.05 

MINAMOTO, Y., HOODA, S., SWANSON, K.S., SUCHODOLSKI, J.S. Feline gastrointestinal microbiota. Anim Health Res Rev. 2012 Jun;13(1):64-77. doi: 10.1017/S1466252312000060. PMID: 22853923. 

MONDO, E., MARLIANI, G., ACCORSI, P.A., COCCHI, M., DI LEONE, A. Role of gut microbiota in dog and cat’s health and diseases. Open Vet J. 2019 Oct;9(3):253-258. doi: 10.4314/ovj.v9i3.10. Epub 2019 Sep 1. PMID: 31998619; PMCID: PMC6794400. 

OLESKIN, A.V., SHENDEROV, B.A. Probiotics and Psychobiotics: the Role of Microbial Neurochemicals. Probiotics Antimicrob Proteins. 2019 Dec;11(4):1071-1085. doi: 10.1007/s12602-019-09583-0. PMID: 31493127. 

POSSEMIERS, S., BOLCA, S., VERSTRAETE, W., AND HEYERICK, A. (2011). The intestinal microbiome: a separate organ inside the body with the metabolic potential to influence the bioactivity of botanicals. Fitoterapia 82, 53–66. doi: 10.1016/j.fitote.2010.07.012 

SALMINEN, S., COLLADO, M.C., ENDO, A. et al. The International Scientific Association of Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of postbiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 18, 649–667 (2021). https://doi.org/10.1038/s41575-021-00440-6 

SANTOS, J.P.F. Efeitos dos níveis crescentes de parede celular de levedura sobre a digestibilidade, microbiota fecal e produtos da fermentação intestinal em dietas para gatos adultos. 2015.91 p. Tese (doutorado em ciências) – Universidade de São Paulo – Pirassununga.  

STALEY, C., KAISER, T., AND KHORUTS, A. (2018). Clinician guide to microbiome testing. Dig. Dis. Sci. 63, 3167–3177. doi: 10.1007/s10620-018-5299-6  

SUCHODOLSKI, J. S., CAMACHO, J., AND STEINER, J. M. (2008). Analysis of bacterial diversity in the canine duodenum, jejunum, ileum, and colon by comparative16S rRNAgene analysis. FEMS. Microbiol. Ecol. 66, 567–578. doi: 10.1111/j.1574-6941.2008.00521.x  

SCHMITZ, S., SUCHODOLSKI, J. Understanding the canine intestinal microbiota and its modification by pro-, pre- and synbiotics – what is the evidence? Vet Med Sci. 2016 Jan 11;2(2):71-94. doi: 10.1002/vms3.17. PMID: 29067182; PMCID: PMC5645859. 

TAKÁČOVÁ, M., BOMBA, A., TÓTHOVÁ, C., MICHÁĽOVÁ, A., AND TURŇA, H. (2022). Anyfuture for faecal microbiota transplantation as a novel strategy for gut microbiota modulation in human and veterinary medicine? Life 12:723. doi: 10.3390/life12050723 

TESHIMA, E. Aspectos terapêuticos de probióticos, prebióticos e simbióticos. In: FERREIRA , C.L.L.F. Prebióticos e probióticos: atualização e prospecção. Viçosa, p.35-60, 2003. 

TIZARD, I. R., AND JONES, S. W. (2017). The microbiota regulates immunity and immunologic diseases in dogs and cats. Vet. Clin. North Am. Small Anim. Pract. 48, 307–322. doi: 10.1016/j.cvsm.2017.10.008 

Autor

Aleris Nutrition

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